domingo, 21 de novembro de 2010

O futebol não é um caso de vida ou morte. É mais do que isso

5 de março de 1918, já é noite em Montevideo, quase toda a cidade dorme, menos um irrequieto zagueiro. Bom, a esta altura de sua carreira, chama-lo de zagueiro só é possível pelo seu brilhante passado de 20 títulos pelo Nacional e uma Copa América pela Celeste Olimpica, não tanto pelo seu futebol. Este defensor hoje puxa o ar, que teima em não vir a cada arrancada adversária, não consegue sequer igualar a sombra daquele brilhante capitão que deu a vida pelo Nacional, e sua ultima partida ontem, onde se arrastou e foi xingado pela torcida que tanto o amou ainda perturba, motivo da insônia.

Seu nome é Abdon Porte, conhecido como “o índio”. Sua escalação foi um pedido pessoal, sincero e sentido, que nem o mais racional dos dirigentes poderia nega-lo. Mas Abdon conta com 38 anos, e a torcida não quer saber disso...  as pernas não acompanham o raciocínio, e o tempo parece infinito. Num passado não muito recente, foi o maior ídolo do clube, porém na memória do torcedor só há espaço para o ultimo desarme mal feito, sua tentativa espúria de correr atrás de jovens atacantes, sua patética tentativa de manter-se em pé.

Não era a despedida que Porte merecia. Ele dera o sangue e a maior parte de sua vida ao clube que agora o entregava a carta de demissão. Não deu tempo de ir ao vestiário tomar sua ultima chuveirada, o jogador foi avisado que seu ciclo havia terminado alí, após 8 anos de dedicação insana aos gramados, numa época onde o esporte era amador e o salário risível. O Nacional venceu a equipe de Charley por 3 x 1, mas ecoa na cabeça de Abdon as vaias que foram como punhaladas em seu coração. Nem os afagos de sua noiva, com casamento marcado para 2 meses o acalmava.

Abdon Porte permanece no clube até 1 da manha, para aflição dos familiares, sempre relegados a segundo plano. Todos os outros atletas já estavam em suas casas. Ele se despede do porteiro, desce as escadas da arquibancada e entra no seu campo pela última vez, toca o gramado com suavidade, respeito e devoção, retira do bolso direito 2 cartas no breu do meio campo. Do bolso esquerdo saca a arma com que finda sua vida com um tiro no coração.
Ali, no meio do campo que o consagrou, Abdon desiste da vida, se a vida era o próprio clube que agora não mais o quer, nem pode mais tê-lo. Nas cartas, nenhum rancor e uma serenidade que destoa da cena que agora se vê. Preferiu a morte à decadência.

“Querido Doutor. Peço-lhe que olhem por minha velha e minha noiva, como eu me dediquei a vocês. Adeus querido amigo, que esteja sempre à frente de nosso Nacional, agora e sempre Gigante! Obrigado, Nacional! Não esquecerei um instante, o muito que te amei” Carta endereçada ao presidente do clube.

O fato acima citado inspirou o escritor Eduardo Galeano a escrever Muerte em la Cancha, e o não menos notável, Horácio Quiroga em seu conto “Juan Polti”. Hoje no Parque Central, estádio do Nacional de Montevideo, há uma eterna lembrança daquele que mais amou o clube. A principal arquibancada chama-se Tribuna Abdon Porte, onde uma bandeira sempre é avistada para lembrar aos jogadores atuais de que é preciso dar algo mais pelo clube. Uma cobrança que a historia lega silenciosamente aos que ficam.

E eu penso, porque raios o Lucio Flavio não faz o mesmo? Se for preciso, até cedo o revolver

2 comentários:

Nara. disse...

Que bela historia...no tempo que jogador jogava por amor ao clube e não por dinheiro!
Não tenha esperanças com Lucio Flavio, ele é da nova geraçao!

Jornalistas desempregados S.A. disse...

eu sempre gosto da nova geraçao. Voce lembra do You Cant Dance New Generation? eles ensaiavam uns passos legais!